Carne Doce: Tônus

CarneDoceTonus

A sonoridade do terceiro disco da banda goiana Carne Doce remete ao distanciamento eletrônico de bandas antigas como The Cure e nem tão novas como The XX. Este registro é meu primeiro contato com as letras carregadas de sexo e o vocal oitentista de Salma Jô. O disco tem a beleza dos registros em álbum, vive por uma sonoridade do conjunto, algo que, felizmente, não se perdeu na orgia dos lançamentos picotados que, profetas profetizaram, seriam o padrão da internet. Sou um carola quando se trata de letras safadas e daí leva um tempo para entrar neste disco. O que pode ser bom, gosto de discos que me desafiam, me sinto melhor deles depois. Quase sempre.

O gancho para esse disco foi um trecho da faixa-título, que, imagino, deve ter pego mais gente pelo ouvido:

Uma menina
Naquele short
Que mostra a bunda
Tal criatura inunda
A minha solidão

A imagem da menina e de sua respectiva bunda são anônimas ao mesmo que universais, ao ponto de que a criação desta letra nem mesmo tenha demandado um bunda ou uma menina específica. Pode ter sido uma cena imaginada ou entrevista antes que efetivamente vista. Pode ter sido uma cena destilada a partir de diversas cenas, como em um frenético registro em vídeo, ou de diversos fragmentos de diversas meninas e diversas bundas. Tanto faz, o que interessa é a síntese dessa menina e dessa bunda que surge do anonimato real ou imaginado para inundar uma solidão muito específica, a do sujeito da canção. Rimar “bunda” com “inunda” já deve ter sido feito, mas o achado aqui é que poucos conceitos são tão inundáveis quanto o de solidão. Solidão se refere a uma ausência que se projeta em tantas camadas do ser até se comprimir numa esfera de dor num centro imaginado que irrompe não raro em um desejo que não faz o menor sentido.

Quando Salma canta sobre o viço, é impossível para mim não lembrar de Robert Smith em Kyoto Song:

It looks good
It tastes like nothing on earth
Its so smooth it even feels like skin
It tells me how it feels to be new

O disco vai seguir rodando aqui. Gosto de como a banda se sente à vontade em ser ela mesma, gosto da sede que eles parecem sentir de se expressar em um som tão elegante e bonito quanto a capa deste disco.

Sobre gilvas

Pedante e decadente, ao seu dispor.
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