Eduardo Giannetti: O Valor do Amanhã

(…)

O fato espantoso é que, apesar de toda a pretensa valorização da razão fria e de uma postura de completa objetividade diante das coisas, o ideal moderno é viver sob o mais metódico e fantasioso escapismo. É viver como se a morte não nos dissesse respeito. No ambiente moderno, secularizado e tecnicamente aparelhado, a experiência do “morrer antes de morrer” – a elaboração subjetiva e madura da inevitabilidade da própria morte – foi estigmatizada como uma espécie de anomalia ou morbidez a ser banida do campo consciente. Na caverna high-tech do alheamento, sob o bombardeio de estímulos da grande metrópole, a sombra do efêmero ofusca a luz do mistério. A lâmpada elétrica apaga o céu noturno e o entretenimento eletrônico embala a morte-em-vida em que a consciência da morte adormece. O homem moderno cruza velozmente os ares, mas não mira o cosmos. Ele acumula anos adicionais de vida, mas evita pensar na eternidade – terror soberano -, que o apavora. Sendo a morte e sua sombra os principais “defeitos” da vida – todo o resto, supostamente, a técnica e a razão remedeiam -, tudo se passa como se bastasse ignorá-las para que elas também nos ignorassem. (Página 127)

Em seu quinto livro, Eduardo Giannetti reflete sobre os aspectos diversos da senescência para alcançar o seu conceito de juros aplicados ao mundo biológico. A estrutura do livro é semelhante à de Auto Engano: as hipóteses são lançadas no início, utilizando o respaldo de comportamentos do mundo animal e vegetal, para depois serem desenvolvidas nos restante dos capítulos.

A própria revisão conceitual de Giannetti tem seu charme, como, por exemplo, quando ele trata da transição da reprodução assexuada para a sexuada, e as questões sociais de nosso tempo, como a explosão de hormônios que ocorre cedo demais para os atuais padrões de idade alcançável. Seus paralelos são elegantes, trafegando da poesia à música popular sem deixar os inevitáveis gregos pelo caminho.

Pelo amor aos detalhes, entretanto, Giannetti peca em alguns momentos. Certas passagens são repetições de outras passagens, de outros capítulos, e podem enfastiar algum leitor mais impaciente. Aparentemente temos um problema de revisão, que poderia cortar essas gordurinhas, e alcançar um livro de maior impacto imediato. O prejuízo desta abordagem seria, possivelmente, a perda do compromisso com um certo padrão de precisão que é caro a Gianetti.

As questões abordadas podem parecer triviais à primeira vista, e efetivamente acabam sendo, mas o cotidiano é nosso principal interlocutor, e Giannetti tem a habilidade de extrair insights interessantes desta matéria aparentemente inócua.

Sobre gilvas

Pedante e decadente, ao seu dispor.
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