Emily St. John Mandel: Estação Onze

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A premissa do romance Estação Onze não é das mais promissoras. De um lado, uma distopia de uma Terra levada à era pré-industrial por uma epidemia devastadora de gripe. De outro, uma trupe de artistas que persiste romanticamente em levar a arte para as parcas comunidades restantes. No meio do pacote, intrigas envolvendo os diversos casamentos de um ator de Hollywood e grupos de religiosos fanáticos que surgem em situações similares nos livros do Stephen King.

Apesar de todos os resmungos do primeiro parágrafo, eu gostei. As situações podem parecer batidas, mas Mandel alterna habilidosamente os núcleos de ação no tempo e no espaço. Os contrastes entre os cenários antes e depois do ambiente geram tensões narrativas interessantes. As cenas passadas antes da catástrofe são testemunhas da futilidade de todos aqueles esforços e de todas as brigas. A vida depois da catástrofe, por sua vez, não é romantizada: há perigos, há dificuldades constantes. Aos poucos o tema principal se revela. Apesar de todas as mudanças pelas quais o mundo passa, o que vale são as relações cultivadas entre as pessoas. Shakespeare é uma escolha bem correta neste cenário onde não há mais energia elétrica e, ainda que esta informação não conste do texto, a população mundial não deve ser maior do que a da Era Elisabetana. Assim como os textos do dramaturgo inglês, a amizade e o amor sobrevivem a qualquer fim do mundo. Mandel homenageia, na forma, outro estilo pretérito, o romance do século XIX. As pessoas ficaram espalhadas após a catástrofe, mas sempre existe a ironia, e elas voltam a se encontrar em situações estranhas, muitas vezes sem se reconhecerem. O efeito didático desta abordagem é que não há que se esperar muito de causa e efeito neste nosso mundo, ou num mundo distópico, seremos sempre presas de coincidências e encontros improváveis. Sem explicação.

Ah, uma última referência: Estação Onze é uma história em quadrinhos escrita por uma das personagens. Dois exemplares circulam pela história, trazendo analogias da realidade que se imprimem na ficção. O paralelismo das narrativas e sua aparente desconexão me remeteram ao genial ciclo dos piratas em Watchmen, de Alan Moore.

Sobre gilvas

Pedante e decadente, ao seu dispor.
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